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POLÍCIA FEDERAL: CINCO DESAFIOS DE UMA INSTITUIÇÃO POLICIAL OCTOGENÁRIA

É preciso que o trabalho da Polícia Federal, tão essencial à democracia brasileira, seja convertido em louros à própria instituição, e não a um ou outro ator.

12/04/2024 às 20h50
Por: Carlos Nascimento Fonte: fontesegura.forumseguranca.org.br/EDIÇÃO N.225
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POLÍCIA FEDERAL: CINCO DESAFIOS DE UMA INSTITUIÇÃO POLICIAL OCTOGENÁRIA

No último dia 28 de março, o Departamento de Polícia Federal, ou simplesmente a Polícia Federal, completou oitenta anos de sua existência, tornando-se, portanto, uma instituição octogenária. Apesar de oito décadas se constituírem como um marco para qualquer instituição brasileira, em termos relacionais ainda podemos considerar a Polícia Federal um órgão de Estado recente, se a compararmos com a Câmara dos Deputados e o Senado Federal, com o Supremo Tribunal Federal ou mesmo com as polícias estaduais, cuja origem remonta à chegada da família real portuguesa no Brasil no início do século XIX.

Em colunas anteriormente publicadas no Fonte Segura, abordamos uma série de temas que buscavam explicar fenômenos conjunturais a partir dos processos histórico e político que a Polícia Federal atravessou, tais como a autonomia do órgão[1], o papel das adidâncias[2], as mudanças na política interna[3], as resistências internas a possíveis intervenções do governo federal[4] e os novos padrões que colocaram o órgão no centro do “combate à corrupção”[5]. Por ocasião da comemoração que passou, neste texto centramos esforços em refletir sobre cinco desafios dessa instituição.

O primeiro se refere à relação histórica da Polícia Federal com a política partidária, situada em dois eixos: de fora para dentro e de dentro para fora da corporação. No primeiro eixo, estão as tentativas do mundo político de dobrar a Polícia Federal às suas lógicas, o que, por ela ser uma polícia judiciária e investigativa, pode acarretar efeitos desastrosos para a democracia brasileira. Isso pode ocorrer a partir de uma troca do Diretor-Geral injustificada ou realizada para satisfazer interesses particulares, com pedidos para que aliados internos sejam posicionados em cargos de chefia, como as Superintendências Regionais, e outros tipos de pressão em nível nacional e estadual. No segundo, temos a adesão de atores do órgão a estruturas político-partidárias. Nas seis eleições à Câmara dos Deputados que ocorreram nas últimas duas décadas, foram mais de cem candidaturas de atores vinculados à Polícia Federal no total. A maior parte dos candidatos não foi eleita e retornou às fileiras da corporação (Pilau, 2024). Esses eixos colocam para a instituição o desafio de debater mecanismos que permitam integrá-la à política – sobretudo ao programa de segurança pública do governo federal – sem submetê-la a desmandos e ideologias político-partidárias.

As adversidades que a vinculação ao mundo político-partidário podem trazer à Polícia Federal por vezes encontram raízes em um segundo desafio: o de converter a legitimidade acumulada pela Polícia Federal em proveito da instituição e não de atores específicos. Dito de outra forma: é preciso que o trabalho da Polícia Federal, tão essencial à democracia brasileira, seja convertido em louros à própria Polícia Federal, e não a um ou outro ator. Ilustram isso os casos de atores que atuaram em operações com grande repercussão nacional e, posteriormente, são alçados a cargos eletivos mobilizando em suas campanhas eleitorais as revelações das operações como um trunfo político.

Existem também os atores indicados para ocupar posições políticas nas burocracias estaduais e nacionais, alavancados pelo capital político da corporação ou com um trajeto construído junto ao mundo político a partir de múltiplas cessões ao longo dos anos (Pilau, 2024). Por isso, podemos situar como um segundo desafio à corporação repensar os mecanismos de retenção ou conversão de sua legitimidade em reforço à sua posição como uma polícia de Estado e republicana, para que a instituição e suas operações não sirvam como uma espécie de “trampolim político” para projetos políticos pessoais.

O terceiro desafio diz respeito à atuação da Polícia Federal no combate à corrupção e seus entraves. Mesmo com a priorização operacional no início dos anos 2010, cuja diretriz foi a investigação de crimes de desvio de recursos públicos, o processo de mudança que possibilitou maior atuação nesse sentido e estruturou sua operacionalidade na instituição é recente. Entretanto, o enfrentamento à corrupção nunca foi ausente na Polícia Federal, pois no início dos anos 2000 o foco era o combate à lavagem de dinheiro e ao crime organizado. Após esse período, via investigações de crimes de desvio de recursos públicos, a abordagem anticorrupção foi direta. O que ocorreu foi um processo de aprendizagem institucional que se transferiu de um crime para outro, pois, em meio às práticas das organizações criminosas, encontra-se a corrupção, mas também o tráfico de drogas, o terrorismo e afins. Por isso, podemos situar que o paradigma de enfrentamento à corrupção na Polícia Federal não mudou necessariamente com uma fase substituindo a outra, mas somando umas às outras, inegavelmente incremental (Fagundes, 2022).

A conjuntura atual, influenciada pelos desafios anteriores, tem demonstrado que a atuação da Polícia Federal no combate à corrupção independe de decisão institucional, mas antes está diretamente ligada aos interesses das instituições do sistema de justiça, a uma agenda anticorrupção, à interferência do sistema político, ao efetivo com expertise para investigação, dentre outros fatores. Para os próximos anos, acreditamos que a instituição precisará repensar métodos para que sua atuação no “combate à corrupção” se mantenha sistemática e sempre pautada pela produção da prova.

Um quarto desafio está na atuação da Polícia Federal no combate aos crimes ambientais, tema que hoje tem repercussão nacional e internacional. A atuação da Polícia Federal no combate aos crimes ambientais tem aproximadamente vinte anos. Mais precisamente, em 2003 o Regimento Interno da instituição aprovava a implementação das Delegacias Especializadas na Repressão dos Crimes contra o Meio Ambiente e o Patrimônio Histórico (DELEMAPHs). Tal processo de implementação foi custoso, enfrentou resistências internas e também a complexidade da relação entre os sistemas político e financeiro e seus interesses. De lá para cá, a Polícia Federal se articulou com outras forças de segurança do Estado na Amazônia Legal para combater o desmatamento, o garimpo ilegal e mais recentemente organizações criminosas[6], com uma série de desafios na região, como ausência de estrutura física e de recursos humanos, como demonstrou o relatório Governança e capacidades institucionais da segurança pública na Amazônia[7], publicado pelo FBSP. Em todo o caso, apesar dos desafios apresentados e que ainda se apresentarão à instituição nessa área de atuação, a Polícia Federal demonstra que a temática vem ganhando destaque dentro da corporação, uma vez que em 2023 houve a criação da Diretoria da Amazônia e Meio Ambiente[8].

Como quinto e último desafio, ponderamos a necessidade de a instituição sustentar práticas de uma polícia de excelência. As solicitações de federalização de casos ao longo dos anos por parte de atores da justiça e da segurança pública são um exemplo de que a imagem da corporação está atrelada a esse tipo de atuação. No último domingo (24), a Polícia Federal realizou a prisão de alguns suspeitos de articular intelectualmente o assassinato da vereadora Marielle Franco e de seu motorista, Anderson Gomes[9]. Em âmbito estadual, a investigação não avançou por longos seis anos. Consideramos que a solicitação de federalização em casos como esse demonstra que tanto a sociedade quanto o próprio sistema de justiça depositam expectativa na capacidade institucional da Polícia Federal na condução da investigação policial. Nesse ponto, a instituição é reconhecida ao atuar em casos que as polícias estaduais, embora tenham a competência, não resolvem por diversos motivos, dentre eles o envolvimento dos atores com o sistema político local. A resposta da Polícia Federal até aqui tem reforçado tal imagem, entretanto sua manutenção constitui-se em desafio institucional significativo, principalmente após os inúmeros casos de tentativa de interferência política por mandatários do governo federal na instituição, como veiculado em diversos meios de comunicação[10].

Assim, acreditamos que existe um aprendizado institucional e processos sociopolíticos que já permitiram e que continuarão permitindo o aperfeiçoamento da Polícia Federal como uma polícia de Estado, com a superação dos desafios acima elencados e de tantos outros que ainda surgirão nas próximas décadas.

Referências bibliográficas FAGUNDES, Andréa Lucas. A polícia federal e o combate à corrupção: transformação discursiva e mudança institucional endógena. Tese (Doutorado) –  Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas, 2022. PILAU, Lucas e Silva Batista. O poder político na Polícia Federal: entre a burocracia estatal e a política partidária (2002-2022). Tese (Doutorado) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Programa de Pós-Graduação em Ciência Política, 2024.

[1] https://fontesegura.o-melhor-dos-dois-mundos-a-pf-entre-autonomia-e-politica

[2] https://fontesegura/as-adidancias-pf-entre-articulacao-internacional-recurso-de-poder/

[3] https://fontesegura.a-politica-da-policia-federal-o-que-ha-de-novo/

[4] https://fontesegura.a-resistencia-institucional-da-policia-federal/

[5] https://fontesegura.mudanca-endogena-e-atuacao-da-p-f-no-combate-a-corrupcao/

[6] https://forumseguranca./cartografias-das-violencias-regiao-amazonica-sintese-dados

[7] https://forumseguranca.relatorio-governanca-capacidades.pdf

[8] https://folha.diretor-pf-ve-retrocesso-fiscalizacao-ambiental-queda-desmate-nao-sera-imediata.

[9] https://www1.folha.pf-faz-operacao-para-prender-suspeitos-de-mandar-matar-marielle.

[10] https://www1.folha.p-f-passou-por-maior-crise-de-sua-historia-no-governo-bolsonaro.

LUCAS BATISTA PILAU - Doutor em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

ANDRÉA LUCAS FAGUNDES - Doutora em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

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