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HOMICÍDIOS OCULTOS NO BRASIL

Atlas da Violência mostra que os estados com maiores populações residentes são aqueles de maior número absoluto de homicídios ocultos, sendo São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia e Minas Gerais responsáveis por 72,5% das ocorrências do gênero no país.

03/01/2024 às 19h11 Atualizada em 03/01/2024 às 19h39
Por: Carlos Nascimento Fonte: Edição nº 213 | fontesegura.org.br/
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HOMICÍDIOS OCULTOS NO BRASIL

Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada e Fórum Brasileiro de Segurança Pública

As mortes violentas com causas identificadas registradas no Sistema de Informação sobre Mortalidade, do Ministério da Saúde, podem ser classificadas como homicídios (agressões e mortes por intervenção legal), suicídios ou mortes decorrentes de acidentes. Quando não se consegue identificar a intencionalidade envolvida no evento que desencadeou o primeiro processo mórbido, o óbito é classificado como Morte Violenta por Causa Indeterminada (MVCI). Uma parcela significativa de MVCIs, ou o crescimento desse indicador ao longo do tempo, implica, portanto, perda de qualidade dos dados e dificuldades para se analisarem corretamente os fenômenos violentos letais no país.

Entre 2011 e 2021, foram registradas 126.382 MVCIs no País. Neste cenário de elevada incerteza sobre intencionalidade dos óbitos, ignorar a ocorrência das MVCIs pode influenciar negativamente diagnósticos e formulações de políticas públicas e impedir intervenções em aspectos sensíveis. Afinal, as MVCIs são, na realidade, homicídios, acidentes ou suicídios não identificados, o que faz com que a contagem dos óbitos de intencionalidade conhecida, registrados no SIM, apresente uma visão parcial de realidade.

O gráfico 3 aponta a distribuição percentual das mortes violentas segundo a sua intencionalidade, entre 2011 e 2021. Note que, a partir de 2019, pode-se observar significativo crescimento das MVCIs, sendo que, na média, mais de 10% do total de mortes violentas tiveram sua intencionalidade não definida.

 

Buscando identificar os homicídios indevidamente registrados como MVCI, o que chamaremos aqui de “homicídios ocultos”, Cerqueira (2012; 2013) desenvolveu uma metodologia de análise dos microdados de óbitos, baseada em modelos estatísticos, para análise com dados categóricos do tipo logit e multinomial logit.

Com base nesses trabalhos, e a fim de analisar a recente deterioração na qualidade dos dados do SIM, Cerqueira e Lins (2023) revisitaram o tema e desenvolveram uma nova abordagem para o problema, que utiliza técnicas de machine learning – ou, mais precisamente, métodos de aprendizado supervisionado de máquinas – em problema de classificação, com base nos microdados dos cerca de 3 milhões e 396 mil mortes violentas ocorridas no Brasil entre 1996 e 2021. Grosso modo, o principal algoritmo utilizado “aprende” as características associadas às vítimas e aos aspectos situacionais relacionados aos homicídios e acidentes/suicídios registrados no SIM (i.e., idade da vítima, sexo, raça/cor, estado civil, escolaridade, local do óbito, instrumento da causa básica do óbito, ano, mês, dia do óbito e UF de ocorrência) e classifica as MVCIs de acordo com a semelhança destas aos óbitos conhecidos.

Os principais resultados do trabalho de Cerqueira e Lins (2023) servem para que possamos melhor qualificar e analisar a prevalência de homicídios nas Unidades Federativas, em particular nos últimos anos.

Com base na metodologia apresentada, estimou-se em 49.413 o total de homicídios classificados como Mortes Violentas por Causa Indeterminada (MVCIs) que teriam condições de ter sua intencionalidade estabelecida. Ou seja, entre 2011 e 2021, o Estado foi incapaz de identificar como homicídio parcela que corresponde a 39,1% dos óbitos tratados como MVCI. Em média, o número de homicídios ocultos ao ano foi de 4.492. Este índice corresponde à média anual de homicídios que ocorre no estado de São Paulo, ou à queda sem sobreviventes de 150 Boeings 787 lotados, em tragédias totalmente invisibilizadas.

Apesar do elevado número absoluto de homicídios ocultos, a soma destes aos homicídios registrados no SIM, isto é, os homicídios projetados, parece não alterar a trajetória da criminalidade violenta no Brasil. De acordo com o gráfico 4, a diferença entre a taxa de homicídios registrados e projetados parece restrita ao nível e não à tendência das séries.

Ainda assim, a contabilização dos homicídios ocultos traz novo sentido à análise sobre a prevalência de homicídios no Brasil, permitindo a formulação de um quadro mais acurado da trajetória dessas mortes. Em média, a taxa de homicídios projetada supera a taxa registrada em 8,3%. No período analisado, o acumulado de homicídios projetados totalizou 665.508 casos, ante os 616.095 óbitos oficialmente registrados.

 

O impacto da inclusão de homicídios ocultos em análises sobre violência evidencia-se no cálculo das variações anuais de crescimento da taxa de homicídios. O gráfico 5 apresenta a diferença entre a variação percentual anual associada às taxas de homicídios registrados e projetados. A análise feita ano a ano mostra uma expressiva divergência na dinâmica das taxas ao final do período analisado, a partir de 2018. Para exemplificar, enquanto a taxa de variação anual de 2019 indica redução de 22,1% na taxa de homicídios registrados, no caso da taxa de homicídios projetados este indicador indica redução de 17,0%, diferença de cinco pontos percentuais, resultado que se mostra relevante para avaliações de políticas públicas.

 

Na análise subnacional, a inclusão dos homicídios ocultos permite identificar Unidades Federativas de maior incidência de homicídios. De acordo com o gráfico 6, as UFs com maiores populações residentes são aquelas de maior número absoluto de homicídios ocultos, sendo São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia e Minas Gerais responsáveis por 72,5% dos homicídios ocultos no país. O gráfico da direita apresenta a distribuição das taxas de homicídios ocultos por 100 mil habitantes, por UF. A mediana das taxas indica que o Rio de Janeiro, a Bahia e São Paulo permanecem entre as UFs de pior resultado, desta vez ao lado de Roraima e Rio Grande do Norte. A inclusão dos homicídios ocultos no cálculo da taxa de homicídios (projetados) por 100 mil habitantes aumenta a média estadual de homicídios e produz troca de posições entre as UFs mais e menos violentas.

 

Comparando as taxas de homicídios registrados e as taxas de homicídios projetados, respectivamente, vemos que em 2021 o Amapá e a Bahia continuam como as duas UFs mais violentas do país (vide Tabelas 1 e 6 no relatório completo). Contudo, quando considerados os homicídios ocultos, a terceira posição deixa de ser ocupada pelo Amazonas, passando a figurar o estado de Roraima. No inverso do ranking de violência, São Paulo deixa de ocupar a posição do estado mais pacífico do país, que passa a ser de Santa Catarina. Na terceira posição, Minas Gerais perde o posto para o Distrito Federal.

* O texto original foi publicado no Atlas da Violência 2023 e pode ser lido na íntegra no link:

Referências bibliográficas: CERQUEIRA, D. Mortes violentas não esclarecidas e impunidade no Rio de Janeiro. Economia Aplicada, v. 16, n. 2, p. 201-235, 2012. CERQUEIRA, D. Mapa dos homicídios ocultos no Brasil. Brasília: Ipea, jul. 2013. (Texto para Discussão, n. 1848). Disponível em: CERQUEIRA, D.; LINS, G. Mapa dos homicídios ocultos no Brasil entre 1996 e 2021. Brasília; Rio de Janeiro: Ipea, 2023. (Texto para Discussão). No prelo.

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