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Criciúma e Cametá: saiba o que mudou nos roubos a bancos nas últimas décadas

Entre 1990 e 2020 a forma de roubar bancos mudou muito no país. Os criminosos buscaram se atualizar em face à modernização da estrutura de segurança do setor bancário.

12/12/2020 às 12h41 Atualizada em 12/12/2020 às 12h54
Por: Carlos Nascimento Fonte: Fonte Segura
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Criciúma e Cametá: saiba o que mudou nos roubos a bancos nas últimas décadas

A modernização da segurança bancária, com introdução de portas automáticas e detector de metais, levou os criminosos a aperfeiçoarem o modus operandi dos assaltos a bancos. 

Nas últimas décadas, assaltos contra agências bancárias têm apresentado consideráveis mudanças em seus formados e modos de abordagens dos alvos pelas quadrilhas. Tais modificações decorrem, sobretudo, de investimentos das instituições financeiras em sistemas em dispositivos de segurança.

Até meados dos anos de 1990, predominavam ações em que um grupo de três ou quatro assaltantes, armados de revólveres ou pistolas, adentravam às agências bancárias, rendiam funcionários e clientes, levavam o dinheiro da bateria de caixas e do cofre do banco. Pressionados por sindicatos de funcionários e pela repercussão das notícias, no final dos nos de 1990 os bancos equiparam suas unidades com portas giratórias, detectores de metais e câmeras estrategicamente posicionadas.

Com este incremento na segurança física das agências, os roubos passaram a envolver quantidades maiores de assaltantes, infraestrutura e logística mais sofisticadas. Entre as dezenas de ocorrências anualmente registradas no país, predominavam dois formatos. Um deles envolvia ações mais chamativas: as quadrilhas portavam metralhadoras e fuzis, utilizavam veículos potentes para as fugas, causando considerável estardalhaço, comoção social e medo. Conforme indicam as entrevistas que tenho realizado com assaltantes desde o ano 2000, as denominações “nativas” mais recorrentes para este tipo de investidas eram “assalto no vapor” e “assalto no arrebento”.

O outro perfil de assaltos também recorrente no período envolvia uma coleção de artimanhas das quadrilhas para inserir armas nas agências, entre elas, ações que usavam armas de brinquedo. Assim, rendiam os vigilantes armados dos bancos, que liberavam a entrada de outros assaltantes com armas “de verdade” e concretizavam os roubos.

Havia casos em que os agentes criminais alegavam ter passado por cirurgias, que implantaram pinos metálicos em seus corpos e, por isso, não tinham como evitar que o alarme das agências fosse disparados ao cruzarem a parta. Assim conseguiam autorização para adentrar aos bancos.

Também houve ocasiões em que assaltantes usaram uniformes militares e se apresentaram como policiais, para justificar o uso das armas. Algumas ocorrências contavam com participação de mulheres nas abordagens. Uma das táticas utilizadas era o uso de hábitos de freiras, portando simulacros de bíblias, que na realidade escondiam uma ou duas pistolas. Sem suspeitar dessas personagens, os seguranças acreditavam que os detectores de metais estavam com defeito e liberavam a entrada das “religiosas”.

Também havia ocorrências em que as mulheres chegavam às unidades bancárias bem vestidas e com joias chamativas. Argumentavam que o alarme do detector de metais disparava por causa de suas joias pesadas e autênticas. Tais perfis de ocorrência costumavam ser chamados pelos que os protagonizavam de “assaltos no sapatinho”, em alusão a uma gíria disseminada nos anos de 1990, que remetia à discrição, astúcia e malandragem. Embora fossem ações armadas, esses roubos tinham como marca a ausência de disparos e violência ostensiva.

No final dos anos de 1990, os assaltos precedidos do sequestro das famílias de gerentes e tesoureiros de bancos e de empresas de guarda de valores emergem como um método “inovador” para subtrair dinheiro das instituições financeiras, apresentando substancial crescimento durante a década seguinte. Estrelado no estado de São Paulo por integrantes do PCC, este modo de abordagem do alvo rapidamente se disseminou para todas as regiões do país.

Tendo suas famílias em cárcere privado e sob mira de armas, funcionários de alto escalão de bancos e empresas de guarda de valores inseriam parte dos assaltantes nas agências e lhes concediam acesso a todo dinheiro daquela unidade bancária, geralmente entre seis e oito horas da manhã. Quando as vítimas conseguiam acionar a polícia, as quadrilhas já estavam distantes do local do crime.

Também no fim dos anos de 1990, os assaltos que atualmente têm sido chamados por policiais e por parte da mídia de “novo cangaço” começam a ser registrados. Um coletivo de assaltantes, que se tornou conhecido como “irmãos Carneiro”, foi pioneiro nesse modus operandi. Embora não fossem irmãos, a quadrilha era composta por alguns integrantes da família Carneiro, do interior do Rio Grande do Norte, tendo sido Francimar e Valdetário os mais citados nas reportagens durante os anos 2000.

Os Carneiros eram famosos no interior potiguar por participarem de disputas eleitorais e “guerras” relacionadas à posse de terra com outras famílias. Em 1999, Francimar Carneiro e seu primo Valdetário, ambos fugitivos de prisões de segurança máxima no Nordeste, associaram-se com outros assaltantes oriundos de diferentes regiões do país, que conheceram enquanto estiveram presos, e organizaram diversas ações armadas no Ceará, Paraíba, Pernambuco, Piauí e Rio Grande do Norte.

A marca deste agrupamento criminal era “sitiar” cidades de pequeno e médio porte durante as madrugadas, rendendo as forças de segurança pública locais. Suas ações visavam bancos e, em algumas ocasiões, atacavam também postos de gasolina e outros estabelecimentos comerciais. Tais assaltos tornaram os Carneiros conhecidos em todo o Nordeste e tema de dezenas de reportagens em veículos midiáticos de circulação nacional, que destacavam a audácia e truculência da quadrilha.

Apesar da visibilidade alcançada, essas ocorrências envolvendo o domínio de cidades e ataques a polícias não se tornaram inspiração para agrupamentos de assaltantes atuantes em outras regiões do país durante os anos 2000. Naquele período, os assaltos precedidos de sequestros, que driblavam possibilidades de confronto com vigilantes das instituições financeiras e equipes policiais, atraíam mais as quadrilhas atuantes contra bancos.

A maior parte dos assaltantes que entrevistei na época declaravam preferência por modus operandi mais discretos, aos quais se referiam como “limpos de sangue” e “e sem violência” – apesar da intensa violência psicológica envolvida. Em meados daquela década, emerge e se dissemina pelo país outro método de realizar assaltos que prescindia de violência ostensiva e armamento pesado. As ações passaram se efetivar por meio da construção de túneis, promovendo verdadeiras obras de construção civil.

Deste modo, foi realizada a ação contra a agência do Banco Central, localizada em Fortaleza, de onde foram subtraídos R$ 156 milhões, que está oficialmente registrada como o maior assalto da história do Brasil.

Além de argumentarem em favor de assaltos que evitam embates armados e disparos, apresentando-os como “não violentos”, meus entrevistados diziam que as ações mais truculentas desapareceriam em um futuro próximo. Ao contrário do que afirmavam tais prognósticos, os assaltos contra instituições financeiras mais recorrentes em todo o país nos anos 2010 são exatamente ocorrências como aquelas estreladas pelos irmãos Carneiros no final dos anos de 1990.

Se no decênio anterior o fuzil modelo AK-47 era o armamento utilizado pelos assaltantes, considerado o mais moderno no mercado ilegal de armas no país. Atualmente o equipamento cobiçado entre participantes destas ações é a metralhadora .50, capaz de perfurar blindagens automotivas e abater helicópteros.

Na década corrente, os explosivos foram incorporados à logística dos assaltos em que cidades de pequeno e médio porte são sitiadas. Esses crimes, que já tinham suporte do tráfico de armas e do comércio de veículos roubados e furtados, passam a mobilizar mais um mercado ilegal, o das emulsões explosivas. Além de exímios atiradores e motoristas especializados em fugas, essas ações agora demandam mais uma função específica, a do “explosivista”, responsável pelo tratamento, definição de quantidades, do melhor momento e local para os comandos de implosão.

Outro elemento marcante nestes assaltos é a atuação do Primeiro Comando da Capital. Integrantes desta facção têm participado de ações em todas as regiões do país e até em países vizinhos como Bolívia e Paraguai.

Tais investidas, referidas pelo termo “novo cangaço” por polícias e parte da mídia, promovem destruição física, reconfigurações simbólicas e impacto psicológico. Tem ocorrido de bancos fecharem agências danificadas parcial ou completamente pelas quadrilhas, redundando em prejuízos à população e à economia de municípios.

São assaltos que têm como efeito colateral a subversão momentânea da ordem. Ao atacar polícias, obstruir sua atuação, desferir xingamentos e expressões debochadas, assaltantes alteram a imagem da instituição ante a população, sobretudo no que diz respeito à capacidade de prover os municípios com segurança. Outro rastro corrosivo destas ações é o pavor causado nas pessoas que presenciam as quadrilhas ou apenas escutam os disparos de suas armas.

Mas o aumento destas ocorrências na atualidade não decorre de escolhas deliberadas das quadrilhas pela truculência. Tal disseminação resulta, sobretudo, do investimento das instituições financeiras na prevenção de assaltos. Atualmente, os cofres de agências bancárias e empresas de guarda de valores não podem ser abertos a qualquer hora, mas apenas em horários específicos, que são diferentes a cada dia. A segurança das famílias de gerentes e tesoureiros foi reforçada. Também têm sido instalados sensores e efetuadas verificações periódicas nas proximidades dos estabelecimentos financeiros, buscando detectar perfurações e construções subterrâneas.

Outra medida adotada é a indução da redução contínua no uso de dinheiro em espécie no país, incentivando uso de cartões, pagamentos por ferramentas virtuais diversas e, mais recentemente, o lançamento do sistema PIX, que permite a realização gratuita e instantânea de pagamentos e transferências bancárias, mesmo que sejam entre contas em bancos diferentes.

As quadrilhas de assaltantes são atraídas para as instituições financeiras pela concentração de elevadas quantias em dinheiro nesses espaços. Quanto maiores as cifras, mais elevados os investimentos dos assaltantes em ações complexas e sofisticadas. O elemento que desencoraja estas investidas é a desvantagem na equação custo-benefício material. Por isso, é pertinente a busca por dispositivos e transações que dispensem o uso de cédulas.

No que se refere a medidas diretas de segurança, é fundamental priorizar ações de prevenção e inteligência policial, evitando o enfrentamento armado das quadrilhas. Nos últimos anos, ocorrências envolvendo troca de tiros entre assaltantes e polícias promoveram verdadeiros banhos de sague, com mortes de assaltantes, reféns e policiais. Ademais, as quadrilhas têm se beneficiado de uma fragilidade na segurança pública da maior parte dos estados brasileiros, onde se verificam a concentração de efetivos e equipamentos mais sofisticados nas capitais, ficando as cidades pequenas e médias consideravelmente desguarnecidas.

Investimento em colaboração intermunicipal das forças de segurança pública, comandos móveis e helicópteros são importantes. De modo indireto, mas igualmente relevante no enfrentamento do chamado novo cangaço, é o combate ao tráfico de armas, dos roubos e furtos de carros, comércio ilegal de explosivos, e, sobretudo, repensar o modelo de encarceramento em curso no país. Há algumas décadas as prisões vêm promovendo troca de conhecimentos entre agentes criminais e a contínua produção de estratégias e metodologias de ações delituosas.

Jania Perla Diógenes de Aquino

Doutora em Antropologia Social, professora da Universidade Federal do Ceará e integrante do Laboratório de Estudos da Violência - LEV.

Fonte: fontesegura.org.br

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